As Brigadas Populares se somam às centenas de vozes das famílias que nos últimos dias têm vivido sob o cerco violento, truculento e desproporcional da Policia Militar do Estado de São Paulo, desde o inicio da ação de reintegração de posse na comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), ocorrida no último dia 22.
O terreno era ocupado por mais de 1.600 famílias desde 2004 e pertencia no cartório à soma de propriedades falidas do grupo Selecta, do empresário Naji Nahas (que havia sido preso em 2008, durante a operação Satiagraha da Polícia Federal, por suspeitas de corrupção). Vale dizer que o terreno originalmente era de uma família de alemães que foi assassinada na década de 60, quando houve uma grilagem e a posterior aquisição do terreno pelo “insuspeito” Naji Nahas.
A intervenção que ocorreu exatamente 10 dias após a presidenta Dilma e o governador Geraldo Alckimin (PSDB) anunciarem a adesão do estado ao programa “Minha Casa, Minha vida”, interrompeu violentamente as negociações entre o Governo e as Famílias de uma solução pacífica para a questão.
A Polícia Militar do Estado de São Paulo descumpriu flagrantemente a ordem do Tribunal Regional Federal, que no inicio da manhã havia determinado a imediata interrupção da ação. A operação utilizou cerca de 2.000 policiais militares, dois helicópteros, 220 viaturas, 40 cães e 100 cavalos e envolveu também grupos de operações especiais da Policia Militar.
A luta pela moradia é condição fundamental para o resgate da dignidade da pessoa humana e para a superação das contradições da sociedade brasileira. O que vimos é o encontro do povo brasileiro com seu Governo. E que o resultado tenha sido um banho de sangue, só nos leva a perceber que uma verdadeira reforma urbana e a luta por moradia não serão possíveis sob a ordem dessa minoria dominante que não se submete sequer às leis que ela própria cria.
O Governo do Estado sob o comando de Geraldo Alckimin (PSDB), a prefeitura de São José dos Campos de Eduardo Cury (PSDB), a Polícia Militar e a Justiça Paulista se posicionaram na defesa irrestrita da propriedade privada e dos interesses dos grupos minoritários que os controlam. Como é possível que a “propriedade” de um homem – proibido de especular na bolsa de valores de 40 países, cujo terreno acumula 16 milhões de reais em impostos devidos à prefeitura, investigado por inúmeras denúncias de corrupção e que levou o grupo Selecta à falência - possa valer mais que a dura vida de milhares de trabalhadores, trabalhadoras e crianças?
Já não podemos continuar nesta situação. O povo brasileiro precisa encontrar novamente uma saída. Os poderes constituídos não estão interessados e são incapazes de defender os interesses da maioria das populações pobres e marginalizadas.
A situação dessas famílias, violentamente reprimidas no curso da luta pelo direito à moradia, repete-se constantemente e em todo o país. Na medida em que a especulação imobiliária precisa expandir-se cada vez mais, emergem os conflitos sociais dentre os quais está o da luta pela moradia e que em última instância é a luta pelo direito à cidade e pela reforma urbana.
Em todo o país o déficit habitacional já alcança 6 milhões de unidades, para além das moradias que não oferecem condições mínimas de dignidade às famílias, em muito, pelo inconveniente que causam aos governos e à especulação imobiliária que as pune com a supressão de garantias dos direitos mais básicos. E o que é mais grave: segundo o CENSO de 2010 o número de casas vazias supera o déficit habitacional em mais de 200 mil unidades, isso desconsiderando as moradias de ocupação ocasional (casas de veraneio, por exemplo).
Em Santa Catarina o déficit habitacional já era superior a 140 mil unidades habitacionais, em 2008. Na região da Grande Florianópolis há dezenas de comunidades que sofrem com os frequentes deslizamentos das encostas, alagamentos de regiões pantanosas ou de mangues, além de conviverem com a ausência de direitos básicos como acesso à escola, cultura, água potável, saneamento básico e luz. Como exemplos de luta e resistência popular temos a comunidade do Papaquara e da Vila do Arvoredo, que sofrem com a constante ameaça de igual violência dos governos de Dário Berguer (PMDB) e Raimundo Colombo (PSD). Além da comunidade da Ponta do Leal, que é um exemplo de resistência e de avanços na luta pelo direito à cidade.
No Estado de São Paulo o déficit habitacional chegou a 1,2 milhões de unidades em 2010, o que significa 5 milhões de pessoas sem acesso a moradia digna. De 2003 a 2009 as Leis Orçamentárias anuais previram a construção de 322 mil moradias. Na prática, somente 136 mil foram entregues. Além disso, milhares de famílias são constantemente afetadas pelas chuvas, incêndios têm ocorrido ao “acaso” em diversas favelas como a do Moinho, que recentemente teve 500 famílias com suas casas queimadas. Mulheres, homens e crianças vagam pelas ruas sem nenhuma perspectiva de assistência social. Recentemente o governo e a prefeitura ocuparam a “cracolândia” com espancamentos, balas de borracha e rondas constantes, tratando uma questão de saúde pública como caso de polícia. No fundo, o interesse é construir na região um grande empreendimento imobiliário que será explorado pela iniciativa privada. No entanto, há resistência popular como, por exemplo, diversos prédios públicos ocupados na Avenida São João, no “coração” da cidade de São Paulo.
Já a Bahia conta com o terceiro maior déficit habitacional do Brasil. Em 2010 o número já estava em 490 mil habitações, segundo dados do IBGE. Além disso, 616 mil habitações não contavam com abastecimento de água neste mesmo período. Neste caso a ação direta da população em ocupações urbanas tem sido decisiva para colocar a questão na pauta do poder público. Como exemplo de luta destaca o MSTB – Movimento dos Sem Tetos da Bahia, que promove atualmente diversas ocupações urbanas, como a do Paraíso, Escada e Periperi.
Em Minas Gerais todas as grandes cidades foram constituídas a partir de grandes ocupações, solução encontrada pelos trabalhadores para sobreviver diante da ausência de uma política habitacional pública e eficiente. Apenas na Região Metropolitana de Belo Horizonte são mais de 150 mil famílias sem teto. A violência do Estado em relação às ocupações urbanas é similar aos episódios do despejo da comunidade Pinheirinho, em São José dos Campos (SP). Temos hoje em Belo Horizonte, por exemplo, as ocupações Dandara, Camilo Torres, Vila da Fé, Vila Calafate e Zilah Spósito que estão ameaças de despejo. Mesmo com todo esforço para abrir a negociação com a prefeitura municipal, governada por Márcio Lacerda (PSB) em coligação com o PT e PSDB, nenhuma disposição foi percebida por parte do prefeito. Da mesma forma, o Governador de Minas, Antônio Anastasia (PSDB), faz vista grossa em relação ao massacre anunciado. Os despejos violentos são, infelizmente, rotina nas cidades mineiras. Em 2011, duas comunidades de resistência (Ocupação Torres Gêmeas, em Belo Horizonte, e a Ocupação Carlos Drummond, em Itabira) deixaram de existir por meio das reintegrações de posse, que na verdade ofendem o preceito constitucional da função social da propriedade. No entanto, a resistência das comunidades tem ganhando força, vários atos, marchas e debates estão acontecendo com o intuito de construir uma proposta de efetiva reforma urbana, onde caibam todos e todas. Onde a miséria não seja caso de polícia, mas de política.
No Rio de Janeiro também não é diferente. A estimativa é de que existam mais de 430 mil famílias sem moradia, 80% delas na região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro. Das mais de mil favelas existentes somente na capital do estado, a prefeitura planeja a possibilidade de remover 119 delas. É grave também a condição de vida dessas famílias e a evidente supressão de direitos básicos. Em 2009 o IBGE estimava a existência de 827 mil domicílios sem rede coletora de esgoto ou fossa séptica no Estado (e apenas 30% do esgoto coletado é tratado); 640 mil casas sem rede de abastecimento de água; e 72 mil sem coleta de lixo. As despesas das famílias com habitação, no entanto, vêm crescendo. Segundo o IBGE (2010), do total das despesas de consumo mensais de uma família brasileira, atualmente são gastos, em média, 35,9% com habitação. No Rio de Janeiro/RJ esta despesa chega a 41,3%, gasto que é, proporcionalmente, ainda maior para as famílias com menores rendimentos (45,7%). É nesse contexto que os movimentos sociais que lutam por moradia e as pessoas que buscam alternativas de habitação se mobilizam para ocupar. Diante da ociosidade de milhares de imóveis públicos e privados, em áreas com infraestrutura urbana e próximas aos postos de trabalho, encontram nas ocupações uma forma de acesso a moradia.
Estas lutas e o episódio dramático da remoção violenta da comunidade Pinheirinho demonstram a maior das perversidades da polarização PT-PSDB: o esfacelamento político das lutas populares. Enquanto eram feitas promessas de desapropriação por parte do Governo Federal do PT, que foram totalmente esquecidas depois da “desapropriação”, os governos estadual e municipal do PSDB preparavam o massacre. Para quem tem dúvida dessa realidade basta observar que, apenas dois dias depois, Dilma, Alckmin e FHC se encontravam na comemoração dos 458 anos da cidade de São Paulo, com a completa omissão da presidenta Dilma sobre a situação de Pinheirinho. Os movimentos populares comprometidos com o povo estão diante do desafio imediato de enfrentar a agenda do PSDB e do PT para o Brasil. Do contrário, novos episódios como este ocorrerão, pois em todo o Brasil há muitos Pinheirinho, e nós sempre resistiremos!
Nosso caminho é longo, nossa luta é justa e pacífica. Contudo, sabemos responder à violência. Contra ela, respondemos com ainda mais organização popular. A transformação política e social que a nação precisa nos exige a recomposição de um projeto nacional e popular para o Brasil. Isso não é possível sem extirpar pelas raízes as estruturas autoritárias, que não apenas restam da ditadura, mas que criam outras novas.
Brasil, 30 de Janeiro de 2012.