quinta-feira, 15 de novembro de 2012

São Pedro de Alcântara: Repressão não substitui educação

Por Marcela Cornelli e Lívia Monte (do Descato.info)

















Uma das facetas do capitalismo e da sociedade em que vivemos é a guerra instalada entre policiais e traficantes. Mortes, represálias e violência. Todos vítimas de um sistema falido. Onde há vida não é prioridade para nenhum dos lados. Onde policiais morrem, mas também morrem os pobres/negros do morro, das favelas. Enquanto quem realmente tem poder de mandar nesse verdadeiro circo de horrores, os governantes e os donos do capital, que poderiam pensar um a sociedade mais justa, igualitária e melhor para todos, nada ou pouco fazem. Na maioria das vezes pacotes antiviolência são baixados de emergência trazendo mais repressão, como é o caso das UPPS (Unidades de Polícia Pacificadora) que servem para reprimir e intimidar somente a população empobrecida, visando passar uma imagem “limpa” e bonita do País em tempos de megaeventos. Repressão não substitui educação.

Um dos fatos mais recentes envolvendo questões de segurança pública aqui no Estado de Santa Catarina traz consigo denuncias de famílias dos presos da penitenciária de São Pedro de Alcântara. O Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, como é chamado, vem se reunindo quase todos os dias em vigília em frente à Penitenciária para chamar a atenção para abusos cometidos contra os presos. O clima de tensão teria se acirrado depois da morte de uma agente penitenciária no último dia 26 de outubro, mulher do diretor da Penitenciária de São Pedro de Alcântara, Carlos Alves, que se mantém à frente da Instituição. Esposas dos presos denunciam que os detentos vêm sofrendo torturas desde então. Além disso, as visitas foram suspensas e as revistas às mulheres dos presos teriam sido realizadas de forma abusiva. Segundo elas, uma lanterna teria sido introduzida na genitália de uma das mulheres. Além disso, já estão acostumadas, segundo ela, a ficarem sem roupa agachadas e fazendo força várias vezes para ver se sai algo de dentro delas. Elas relatam as histórias como uma naturalidade de quem já se conformou a passar por tudo isso.

Mas foi na quarta-feira, dia 7/11, que a situação teria se tornado mais grave, quando um dos detentos parece ter imobilizado um agente prisional, tomando sua arma e disparado a munição de balas de borracha contra o chão. Em seguida, teria corrido e se agachado no corredor. O agente, então, disparou três vezes contra o detento. Familiares teriam visto o preso coberto de sangue e pedindo por ajuda, dizendo: “eles vão me matar, eles vão me matar”.

As autoridades afirmam que se tratou de um fato isolado, uma tentativa de motim que foi “exemplarmente” controlada pelas forças de segurança internas da penitenciária. Um vídeo divulgado nesse dia 13 de novembro, gravado por um celular de um preso, como dizia na reportagem que foi ao ar ao meio dia no jornal da TV RBS, mostrava o diretor da penitenciária entrado à frente nas celas dos presos com armas de bala de borracha atirando e mais agentes atrás. O diretor, segundo a matéria veiculada, dizia que queria saber quem tinha matado a sua mulher.


O movimento das Brigadas Populares de Santa Catarina, que está acompanhando a situação junto às famílias dos presos, em nota divulgada, questiona “em que circunstâncias um agente encontrou-se sozinho, com uma arma de grosso calibre, em uma cela com um detento. Esse comportamento atípico não poderia evidenciar que algo extraordinário estivesse acontecendo naquele momento? Muitos detentos mostravam sinais de lesões dos dedos das mãos, isso dentro da cadeia é sinal de que o detento recebeu golpes de cima para baixo dirigidos à região da cabeça, a qual eles protegem com as mãos. É possível que esse ato impensado do detento, seja mais uma evidência da possibilidade de espancamentos coletivos e de aplicação de torturas”.

O Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade também se reúne aos domingos em frente a um bar/restaurante no pé do morro da penitenciária em São Pedro de Alcântara. Na pauta discutem geralmente questões como denuncia de torturas, revista vexatória e maus tratos. Também está sendo discutida a construção do Conselho da Comunidade. O Conselho da Comunidade terá o poder de fiscalização no presídio.


“A luta que se está travando aqui não é uma só, ela envolve muitas questões sociais e de organização da classe trabalhadora. Eles (o governo) sabem que estamos aqui organizados no pé do morro da penitenciária e estamos alerta para qualquer abuso aconteça”, diz Allan Kenji Seki da Frente Anti-Prisional da Brigadas Populares de Santa Catarina.

“Não é porque a pessoa cometeu um erro ou é suspeito é que ele tem que levar pau. É preciso parar de aceitar a verdade deles. Não se pode aceitar que o estado oprima”, diz Elson José Porto, morador local e apoiador do Grupo.

As esposas dos presos contam que dias antes das visitas não serem mais permitidas, na quarta-feira dia 7/11, elas teriam que passar por um “banco” para detectar se estavam carregando algo e que estaria desregulado e “apitava” toda hora. E mesmo solicitando que fosse realizado um exame no IGP (Instituto Geral de Perícias) mais detalhado para garantir a visita, lhes era negado e dito que não havia agentes para levá-las ao IGP e por isso a entrada era “automaticamente” negada.

“O banco é desculpa. Uma maneira de penalizar os presos. Até as crianças estão sendo revistadas. Pedi pra ser levada então para o IGP e fazer os exames, mas não levaram. Disseram que não tinha efetivo”, afirmou Ana Grabriela Dal Paz, 27 anos.

Kamancalli Matos, 26 anos, também mulher de um dos presos contou que “quando entrei para a visita vi um preso machucado lá. Ele pediu socorro”. Kamancalli teve sua carteirinha de identificação apreendida quando parou na frente do preso para ver o que estava acontecendo. Sem a carteirinha ela ficou impedida de entrar na penitenciária.

“Não sabemos até quando vai durar esta falta de informações, sem as visitas”, disse Katrin Graziele Pereira, 22 anos, mulher de um dos presos.

“Falaram em 30 presos lá dentro baleados”, apontou Luciana de Fátima Neckel, 29 anos.

Uma primeira inspeção no presídio, para verificar as denúncias, foi realizada no dia no dia 8/11 pelo Juiz da Vara de Execuções Penais de São José, junto ao advogado do Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, e acompanhados pelo diretor Carlos Alves. Porém, tal inspeção foi insatisfatória porque só foi permitido aos inspetores verificar cinco presos.

Após a divulgação de um vídeo, gravado pelos próprios presos, mostrando o envolvimento do diretor e também da pressão dos familiares, que permanecem acampados em São Pedro de Alcântara. No dia 13/11 foi realizada nova inspeção, onde esteve presente novamente o juiz da Vara de Execuções Penais de São José, mais representantes do Ministério Público, da Corregedoria do Tribunal de Justiça, Ordem dos Advogados do Brasil, Instituto Geral de Perícias e Polícia Civil.

Durante os procedimentos os familiares fizeram protestos pacíficos, e vibravam cada vez que carros escoltados saíam em direção ao Hospital Santa Tereza onde estavam sendo realizados os exames de corpo de delito. Os gritos e cantos de justiça eram entoados com fervor.

-“Família unida, jamais será vencida”.

-“Ô diretor, você está aonde, você tortura e a DEAP esconde”.

-“Chega de opressão, queremos solução”.

Um inquérito foi aberto na penitenciaria para apurar as agressões contra os em privação de liberdade. Ao final do dia o presidente da Comissão de Assuntos Prisionais da OAB, João Moacir Andrade, informou que a inspeção irá continuar hoje, e que mesma esta sendo feita cela por cela com o objetivo de ouvir todos os presos, até o momento já foram identificados 50 feridos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário