quarta-feira, 13 de março de 2013

Por que Cuba incomoda tanta gente?

por Sammer Siman, economista e militante das Brigadas Populares-MG


Nos últimos dias ganhou novo destaque a campanha midiática contra Cuba que, de maneira velada ou não, ocorre no cotidiano da grande mídia. A bola da vez é a blogueira Yoani Sánchez, figura que dá mais uma mostra da capacidade alquimista da mídia de transformar metal em ouro.

Yoani é desprovida de história política, não possui reconhecimento algum pela população cubana (mesmo daqueles que não concordam com o regime político do país) e se tornou uma pop star do mundo ocidental a partir de uma avalanche de prêmios iniciados em 2007 por “insuspeitos” meios de comunicação como CNN, Revista Time e o espanhol El país [i].
Mas porque Cuba incomoda tanta gente? Porque criar um fantoche para uma desmedida campanha mundial de difamação contra um país tão pequeno? Se Cuba é tão ruim como se diz por aí, porque não há um movimento real no seio da população contra o regime político do país?

O presente autor fará aqui alguns relatos de sua experiência de 30 dias na ilha cubana, no início de 2011. Um conjunto de impressões que está longe ter o alcance que possui as difamações da grande mídia, mas que coloca em cheque muitos “argumentos” destes grandes meios que não medem esforços para ludibriar a população em favor dos poderes constituídos.

Sammer Siman em Cuba em 2011.
Andando em paz pelas ruas de Havana
Talvez a pergunta mais intrigante pra um/a brasileiro/a é: Como uma cidade de 4 milhões de pessoas, equivalente à população de Salvador, é tão pacífica? Anda-se por qualquer rua de Havana em qualquer hora do dia ou da noite sem risco de violência urbana. Em Cuba não ocorre um sequestro há mais de 20 anos, enquanto na Cidade do México, onde se vive sob o mito do “sonho americano”, são 30 mil sequestros de crianças por ano.

Liberdade de expressão?
Eis outra questão que atordoa os brasileiros. Ao chegarmos [ii] no aeroporto de Havana tomamos um táxi em direção ao centro da cidade. O taxista, ao perguntar nossa nacionalidade, começou a reclamar de forma veemente contra Cuba: “Hay sempre um pero en Cuba”, dizia o cubano das restrições ao consumo na ilha. Dizia ele o quanto era caro para a população comer um peixe, dada a orientação da produção de pescados para o mercado externo. Reclamava também da antiguidade dos veículos, colocando como virtude o caso brasileiro, em que se troca um carro de 5 em 5 anos (“seria isso bom pro meio-ambiente?” Perguntamos ao cubano...). Debatemos com ele, discordamos de alguns pontos, concordamos com outros e ao final perguntamos: “Mas e a liberdade de expressão em Cuba?”. Afinal, ele falava abertamente contra o país para dois ilustres desconhecidos. Nossa resposta foi um riso, e isso verificamos durante 30 dias: No país o contraditório é livre, o governo só não tolera coisas como atentados terroristas.

Altivez de um povo
Ouvi certa vez do meu camarada de luta Jean Peres, que estivera tempos antes na ilha: “O cubano olha para cima, diferente do povo brasileiro que anda de olho no bico do sapato”. Eis uma constatação, a maioria dos cubanos são fortes, bem nutridos, com dentes saudáveis e andam de olho no horizonte. Diferente de muitos brasileiros que são corcundas e falam baixo os cubanos, como regra, são de postura ereta e falam com firmeza na voz. Eis a conquista de um povo que optou pela insubordinação.

Ditadura?
O pensamento emanado pelo capitalismo ocidental não é apenas pretensioso. Ele também é falseado, sobretudo porque tenta colocar a democracia como um modelo único, como o modelo norte-americano. Assim, só se é democrático se há eleições diretas pra presidente, se um presidente não pode ficar mais de oito anos...Ora, nos EUA e no Brasil temos a “democracia padrão” e não por coincidência os grandes beneficiários do sistema são bancos e grandes empresas que – como regra – são as fontes financiadoras das multimilionárias campanha da “democracia padrão”. Em Cuba a organização popular se inicia em cada quarteirão de bairro, onde os moradores e moradoras discutem desde a destinação de um recurso pra rua até as grandes reformas econômicas do país. Ademais, o país é dividido em zonas de 20 mil habitantes, onde se elege um/a deputado/a que compõe a Assembleia Nacional. Desta Assembleia (poder maior do país) se elege, dentre outras coisas, o Chefe de Estado. Como exemplo, Fidel historicamente teve que ser eleito em sua zona eleitoral para aí sim ser conduzido como Chefe de Estado no âmbito da Assembleia [iii].

Mas e Fidel? E o partido Único? 
Perguntamos sobre Fidel para muitos cubanos. Na maioria das vezes a resposta era: “Fidel é um grande humanista, inteligente, que cometeu seus erros como todo ser humano”. Ou seja, a contemplação a Fidel, como disse em um texto o amigo André Luan [iv], não é por sua barba ou coisa parecida. Mas sim pelo grande líder que é, pelo papel que cumpriu (e cumpri) em Cuba e no mundo. Esteve à frente do país por tanto tempo por sua referência no povo, além de ter sido uma figura indispensável em toda sorte de enfrentamento ocorrido mundo a fora desde a revolução. É simples pensar no “revezamento de poder” (algo que idealmente é mais interessante pra democracia) numa conjuntura em que um país não sofre tantos ataques externos. Para além disso, a democracia cubana sempre se deu para muito além do chefe de Estado, uma vez que o povo organizado é parte das tomadas de decisões do país. Ou seja, o povo define rumos em referendos, em ações diretas e não apenas escolhe representantes, como ocorre na “democracia padrão”. Quanto ao Partido Comunista Cubano, há anos ele não concorre às eleições. Todas e todos os candidatos às funções de representação política são escolhidos por organizações e movimentos sociais autônomos, como organizações de trabalhadores, de jovens, de mulheres, etc. O PCC é um instrumento de referência política para o povo cubano, pois é conformado pelos membros mais destacados da classe trabalhadora. Sua existência não impede as mais diversas formas de organização popular, inclusive de organizações que se oponham aos poderes constituídos.

Saúde, não doença
A compreensão dos brasileiros sobre saúde está mais para doença, pois nosso modelo é pautado na medicina curativa, aquela que agrada a indústria farmacêutica. Encontramos com um jovem goiano que andava pelas ruas de Havana com um minúsculo caderno, onde pretendia formar sua opinião sobre Cuba. Ele nos disse sobre a educação, que na opinião dele era boa, pois visitara uma escola e chegara a tal conclusão. O mesmo não disse sobre a saúde, pois visitara um hospital e presenciou deficiências na estruturas, como paredes mal conservadas. Dissemos a ele que saúde é o que acontece antes de chegarmos ao hospital. Em Cuba, uma mãe recebe 8 pré-natais antes de parir seu filho. Como nos relatou a cabo-verdiana que estuda medicina em Cuba (Emeline), ela já presenciou situações da médica de família ir até a casa da mãe gestante na ausência dela para os exames de rotina. O que significa isso? Que o cubano é cuidado para não ter que chegar ao hospital! Não por menos que a expectativa de vida do país já ultrapassa os 80 anos, a exemplos de países colonizadores como França, Itália, Alemanha, etc.

Questão racial


Há um traço comum nas cidades do mundo capitalista. O recorte racial é bem claro entre as regiões da cidade, sendo que as mais abastadas são compostas por maiorias brancas. Assim é no bairro da Savassi – Belo Horizonte, em Higienópolis – São Paulo, no Leblon – Rio, em Boa Viagem – Recife, na Barra – Salvador – mesmo sendo a Bahia um Estado de maioria negra. Assim é em Manhattam – Nova York, assim é no St-Germain-des-Prés – Paris. Os negros, como regra, frequentam estes bairros para prestar serviços. Mas como era em Cuba? Um exemplo parecido é a cidade de Santa Clara, famosa por abrigar o mausoléu do Che Guevara. Antes da revolução, apesar dos cubanos serem negros em sua maioria, sua região central era de maioria branca. Algo como 54 anos depois participamos de uma reunião popular num prédio situado no Malecón, que é a beira-mar mais bem localizada de Havana. No mesmo prédio que conhecemos um ilustre morador – Rafael Ballar, ex-guerrilheiro de Sierra Maestra, ex-ministro de interiores, ex-embaixador de Cuba nas ilhas Canárias – conhecemos uma série de moradores negros.

E esse tal de embargo?


Eis um mecanismo perverso que atrasa o desenvolvimento de Cuba, que poderia ser ainda maior. Para citar dois exemplos do que significa esse crime: Segundo a determinação norte-americana, um navio que passa pelo porto cubano não pode pisar em solo americano por seis meses. Isso significa que Cuba tem que, por exemplo, importar biscoito cream cracker da China. Outro exemplo é que qualquer produto que tenha componente de patente norte-americana não pode ser vendido pra Cuba. Ou seja, quando um cubano necessita de um marca-passo para continuar a viver, o Estado, ao invés de comprar um no mercado formal por 5 mil dólares, tem que comprá-lo no mercado negro por 20 mil!

Burocracia? 

Esse é outro mito associado a ideia anti-liberal de um Estado forte e capilarizado na sociedade. No início da viagem conhecemos em Havana Dânia Valdez, uma ex-militante do PCC que hoje aluga sua casa para receber turistas. Quando perguntamos pra Dânia sobre a restrição de internet na ilha ela nos disse que tal dificuldade era de ordem tecnológica e disse: “Inclusive hoje li no jornal que estão tentando um acordo com a Venezuela para rodear a ilha de fibra ótica”. Dez dias depois, estávamos nós na praia de Siboney em Santiago de Cuba, quando um trator iniciara a escavação da areia da praia. O que era aquilo? O início da escavação pra passagem de fibra ótica! Ora, burocracia? Burocracia temos no Brasil, país da “democracia padrão”, onde uma mísera obra que beneficie a população requer um extenso processo licitatório que, como regra, vem acompanhado de um forte esquema de corrupção.

Das contradições

Muitos defensores de Cuba, na ânsia de defender a tão atacada ilha, assume o lado extremo de pintar a ilha como um paraíso na terra, como se fosse um país livre de contradições, feito por alienígenas. Cuba é um país feito por seres humanos e, portanto, não está imune a contradições, por mais avançada que seja sua sociedade. Afinal, é importante considerar também que o país, apesar de autônomo, não é auto-suficiente, e arca também com as diversas privações que são ampliadas por medidas como o embargo econômico. A corrupção é algo bastante presente na sociedade, apesar de ter algumas diferenças importantes dos países de “democracia padrão”, uma vez que os corruptos (sobretudo os grandes) são, como regra, punidos. Presenciamos relato de um enfermeiro numa reunião de CDR (Comitês de Defesa da Revolução, que são organizações populares presentes em cada quarteirão de bairro) sobre a corrupção, reclamando que por vezes tem que pagar por um medicamento que deveria ser gratuito. Outra contradição é a prostituição, que é algo que o Estado faz certa “vista grossa” por ser essa uma forma de atrair turistas do mundo, sendo que o turismo é hoje a maior fonte de financiamento do país.

Das superações

Outra ideia amplamente vendida é que Cuba é “parada no tempo”. Mais uma desinformação maldosa daqueles que vivem da exploração alheia. Há algumas questões históricas que vem sendo enfrentadas pelo povo no processo de reforma econômica que vem sendo debatido no país desde 2007. Um exemplo é o que chamamos de igualistarismo, onde um cubano que trabalha pouco tem praticamente o mesmo do cubano que trabalha muito. Eis uma “herança” da proveitosa parceria com a União Soviética até a década de 90, pois dada a condição privilegiada nas relações econômicas com a potência socialista a ilha conseguiu sustentar um alto padrão de consumo entre a população, algo para além da sua capacidade produtiva. A valorização dos salários acompanhada da redução dos benefícios dado pelo Estado para todos os cubanos é uma medida nesse sentido. Afinal, foi isso que aprendemos com a cubana Dânia: “O maior problema de Cuba é que quem não trabalha come da mesma forma que quem trabalha”. Outro avanço é o abandono do estatismo. Há pouco tempo o Estado cubano detinha não somente os meios de produção estratégicos, mas detinha também os restaurantes, os salões de cabeleireiros e outros pequenos estabelecimentos. Isso gerou uma grande ineficiência econômica e as reformas vêm no sentido de liberar os pequenos negócios.

Falsas polêmicas

Existem outras tantas falsas polêmicas que rondam a ilha. Uma delas é sobre o salário. De fato, o salário médio do cubano hoje gira entre o equivalente a 20 e 30 dólares. Mas isso tem que ser pensado à luz da realidade concreta do povo cubano, que possui acesso gratuito a saúde, educação, cultura, lazer, etc. Ademais, sobre os outros gastos, um cubano gasta o equivalente a 1 centavo de dólar pra andar de ônibus, o equivalente a 40 centavos para comer um cachorro quente na rua, o equivalente a 20 centavos para tomar um pote grande de sorvete. Gasta o equivalente a 2 ou 3 dólares para pagar um aluguel, sendo isso para aqueles 15% da população que não tem acesso a casa própria. Outra “polêmica” trata das demissões realizadas pelo Estado no processo das reformas econômicas. Pra usar um exemplo que ouvimos em Havana, na Escola Latino-Americana de Medicina havia uma funcionária do Estado para servir o arroz, outra pra servir o feijão, outra pra servir a carne, outra pra servir a salada e outra pra entregar o guardanapo e os talheres. Ou seja, o que há é uma realocação das forças produtivas por parte do Estado, em busca de melhorias econômicas. Outra “polêmica” amplamente difundida é sobre o “impedimento” de cubanos de sair do país. Ora, concretamente esse impedimento é o que faz que pelo menos 8 a cada 10 brasileiros não tenham condições de fazer uma viagem internacional. Falta grana, e nenhum Estado mune o cidadão de dinheiro para dar rolé mundo a fora! A dificuldade que o país oferece é para retirada do país daquelas pessoas que tiveram alto investimento do Estado, como atletas e cientistas.

POR QUE CUBA INCOMODA TANTA GENTE? 

Certamente que esses relatos respondem em parte a essa pergunta. Um país pobre em recursos econômicos, que não produz um mineral sequer (com exceção da baixa produção de níquel), que não nasce sequer trigo de seu solo dá um vigoroso exemplo para o mundo de que é possível uma sociedade que se oriente pelo ser humano e não pelo dinheiro. Além do que, mais do que exemplo, Cuba historicamente tem servido a ampliação das iniciativas revolucionárias. Venezuela não seria o que é hoje sem Cuba, pois só para citar um exemplo os 20 mil médicos cubanos fazem toda diferença na revolução bolivariana. Pra não falar de Equador, Bolívia e outras iniciativas mundo a fora que tomam a ilha como inspiração e tem nela aporte concreto.

Yoani Sánchez é mais uma pecinha de manobra no empreendimento histórico das forças dominantes em degradar aqueles e aquelas que não aceitam a subordinação. Yoani é alguém que, no que depender dos lutadores e lutadores do povo, entrará para o lixo da história, ao contrário de milhões de cubanas e cubanos que há 54 anos dão o sentido real pra palavra LIBERDADE!

Notas:

[i] Vide entrevista em que o jornalista francês Salim Lamranium desmascara Yoani Sánchezhttp://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=128182&id_secao=7;

[ii] Viajei na companhia do amigo e companheiro de luta política André Luan Nunes Macedo;

[iii] Vide curto texto sobre o regime político cubano http://jornalismob.com/2012/10/21/bloqueio-midiatico-a-cuba-ganha-novo-capitulo-com-processo-eleitoral/;

[iv] https://www.facebook.com/notes/andr%C3%A9-luan/brasil-o-pa%C3%ADs-do-cult.

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